Surpreender um europeu, viajado e culto, não é uma tarefa simples, mas o cuteleiro Ismael Biegelmeier, de Feliz, não ficou apenas no nível surpresa.
Klaus Lauck é um daqueles alemães que de tempos em tempos chega ao Brasil e fica rodando por aí, em especial, no Rio Grande do Sul, em busca de suas origens e descendentes dos primeiros imigrantes. Convidado para fazer um rápido tour pelo Vale do Caí, com destino principal a cidade de Feliz, Klaus topou de pronto, mesmo sem saber o que viria pela frente. E o que ele viu foi uma grata surpresa também para os demais que acompanhavam a trupe. O empresário Darci Ertel e o presidente da câmara de vereadores de Salvador do Sul, Aécio Sozo, ficaram igualmente encantados ao conhecer a cutelaria de Ismael Biegelmeier, na localidade de Canto do Rio, próxima ao centro de Feliz. Mas, é claro, como todo germânico de vasta cultura, Lauck também teve o que contribuir com narrações de cunho histórico.
Depois de ajudar na forja de facas, o trio, foi para outro setor da oficina e viu Ismael lidar com um pequeno pedaço de aço damasco. Depois de lixar o mesmo, deixando-o bem liso e branco, Biegelmeier colocou o pedaço de metal em uma solução aquosa, brincando, dizendo alguma “palavras mágicas”. Poucos segundos depois o damasco revelou suas propriedades e tomou cores e desenhos dos mais diferentes. “Olhe só isso. Ele é quase um alquimista”, citou Klaus dando uma gargalhada.
Interrompendo uma aula que Ismael ministrava, com a devida licença do aluno, Klaus Lauck contou uma história com um tanto de propriedade. Vindo da região do Saarland, na Alemanha, ele lembrou da invasão do Império Romano, há cerca de dois mil e quinhentos anos. Recordou que a região onde ele vive era de domínio de povos celtas e gauleses, dentre os quais viviam os místicos druidas. Estes, que eram grandes conhecedores de medicina natural, eram, também, detentores dos segredos da forja. Produziam facas, usadas também como armas, como ninguém mais no mundo. Quando da expansão do Império Romano, foram as facas dos druidas que impediram, por longos anos, o avanço de Roma sobre a Europa peninsular. “Hoje, vejo aqui, no Brasil, que ainda se faz facas apenas observando a cor do aço, como faziam os druidas, sem controlar tecnologicamente a temperatura e o tempo de exposição. Biegelmeier está de parabéns pela sua arte. Ele é, um pouco, druida, afinal, suas facas são de durabilidade infinita”, disse Klaus, segurando com curiosidade uma das peças feitas em damasco e fóssil de girafa.
Ismael, que também conhecia parte da história dos druidas, lembrou que o místico povo forjava suas facas com tamanha qualidade que aquelas trazidas pelos romanos entortavam ou quebravam ao terem contato com as peças druidas. “Isso aqui é quase como assistir um filme épico, mas sem presenciar sangue derramado. É uma grande aula”, destacou Aécio Sozo – também conhecido como Boby do S – enaltecendo que a fazer o que se gosta é muito mais do que cumprir uma tarefa diária. “Vejo que ele (Ismael) faz isso com grande prazer”, pontuou Boby.
Klaus fotografou o processo de fabricação de uma faca assim como fez filmagens, devendo levar consigo a comprovação de que a qualidade druida ainda se encontra por aqui, em um trabalho artesanal que já rendeu a Biegelmeier titulação de uma dos mais importantes cuteleiros do Brasil.