A esposa ainda não se recuperara de tantos incidentes
ocorridos em poucos dias, para tanto havia viajado para a casa da sua família.
Precisava de um tempo, mas não deixaria de amar o seu cônjuge de tamanho
avantajado.
Ele, ainda que tristonho, aceitou a pedida da cara metade.
Pensava, umbigalmente, em tudo que poderia fazer sozinho. Amava
incondicionalmente, mas amava ainda mais a si próprio, afinal, lhe sobraria a
outra metade da maça para devorar entre uma refeição e outra. Nada precisava
dividir. Nada.
Vá lá, fez das suas peripécias. Caiu. Tropicou. Enfim, a
sina de desastrado continuava. Isso, todavia, não lhe desmotivava. Era assim
desde sempre. Assistira tevê. Olhava futebol e via o seu time vencer, mas é
claro, não torcia para ele, pois caso isso ocorresse outra derrota avassaladora
aconteceria. Era pé frio. Gelado.
Depois de muito “mais do mesmo” resolveu ir banho, afinal,
para ter a primeira noite no colchão novinho precisava estar asseado. Olhou
para a ducha e sorriu. O box de acrílico inexistia, ele o havia quebrado dias
antes ao pisar na bucha vegetal que estava ao chão. Resolveu matar o banho. Não
poderia correr o risco. Estava sozinho. E lá se foi, pra cama, sem banho mesmo.
Antes de deitar leu as orientações de INMETRO e percebeu que
poderia engordar outros 100 quilos. Não havia risco algum de explodir o tal
colchão. Deitou-se e entrou no vai e vai, feito ondas do seu novo leito.
Diferente não seria, dormiu. A sequência normal deu-se. Derrubou toda a
Floresta Negra, tão potente era o seu ronco. Foi aí que os cordeiros deram
lugar ao mundo dos sonhos, mas até Morfeu saiu de perto, pois algo poderia
acontecer.
Saíra do próprio corpo e adentrava um túnel do tempo. Tudo
bem, não entalou no vão de entrada por mero detalhe, mas saiu todo arranhado.
Regressou a 1969 e viu um casario bem antigo e foi espiar. Não tinha perigo de
ser visto. Pairava no ar. Viu a própria mãe em uma cama repleta de palha de
milho. Gritos e gemidos identificavam o trabalho de parto. Ele, observava tudo
com grande curiosidade. Afinal, saberia como nascera. O pai na sala estava,
unido a uma garrafa de pinga. A parteira ajudava com a tesoura pronta para
atuar. E foi aí que tudo aconteceu.
Ouvia-se o choro abafado do balofo bebê. O pai trôpego veio
ver o primeiro rebento. A mãe sorria e chorava ao mesmo tempo. A parteira –
pobre velha – faria o que o manual indicava. Faria.
De tão emocionado ao ver o próprio nascimento, o nosso
anti-herói deu um passinho frente. Esbarrou no criado mudo e, sabe-se lá como,
o espírito era tão pesado quanto o dono que dormia no moderno colchão. E o esbarrão
fez com que a vela caísse dentro da gaveta das meias. Segundos depois o cheiro
do chulé queimado. A parteira toma às mãos a bacia cheia de água onde lavava o
bebê e tentou apagar o fogo. Esqueceu, porém, de tirar o gorduchinho de dentro
e lá se foi, bebê, bacia, água, cordão, tudo enfim. O pequeno caíra debaixo da
cama com pinico, sem tampa, virado sobre ele. A mãe estava desesperada e
esgualepada. O pai, fez o que lhe veio em mente: tomou mais um trago de pinga.
A parteira decidiu se aposentar e o viajante do tempo resolveu que era hora de
voltar, pois do jeito que andava a onda de azar, o bebê voltaria pra dentro da
mamãe para nunca mais vir a este mundo cruel.
Acordou, em um rompante, respirou fundo. Tomou um gole de
água, diretamente do vaso de flor, engasgou com o espinho a roseira e respirou
fundo. Estava bem, desastradamente vivo. O bebê não conseguira voltar ao
ventre. Ainda bem, para ele. Azar do mundo…