Por: Rebecca Dresch Maldaner
Nos dias de “normalidade”, antes da pandemia provocada pelo Covid-19 e pelo isolamento social, vivíamos como a pequena Alice Liddell, de Lewis Carroll, obra publicada em 1865. Corríamos atrás do tempo, representado pelo Coelho Branco, até que, de uma hora para a outra, caímos em um buraco escuro onde as coisas não fazem sentido. As leis da gravidade, que podemos chamar de conhecimento, entram em “choque” por aqui, tudo é novo. No chão, nos deparamos com uma porta pela qual nem todos passariam; é ela que dá acesso a um novo mundo apresentado pelo Coelho Branco. Para que Alice (indivíduos da sociedade) passe, teve que se adaptar ao tamanho da porta; tomar o líquido do frasco em que estava escrito “beba-me” para encolher (como é o caso de muitas empresas que tiveram que demitir seus funcionários, por exemplo). Contudo, antes de cruzar a porta, a pequena garota se desespera. Derrama lágrimas suficientes para formar um mar. Mas, como ela mesma pôde ver, de nada adiantou desesperar-se.
Cruzando a porta, Alice encontra um mundo totalmente diferente. Lá, encontrou-se com a Lagarta Azul, um personagem profundo que poderíamos associar a nós mesmos. É aí que nos perguntamos quem queremos ser, “de que altura” queremos ser. Também encontrou no seu caminho o Gato de Cheshire (associamos à mídia, pois deixa bem claro que há loucos por todas as partes, embora ela não queira estar com os loucos), que Alice julga ser simpático, porém suas garras são compridas e afiadas e tem muitos dentes em um sorriso infinito, o que a deixa insegura. Ele tenta “ajudar e informar” Alice sobre o que está acontecendo, quando a menina pergunta qual caminho tomar. Como resposta, o Gato retorna o questionamento: “para onde você quer ir?”. Alice diz que isso não importa, ela está dividida entre ir para a esquerda (visitar a Lebre de Março – médicos) ou para a direita (visitar o Chapeleiro Maluco – governantes).
Ela escolhe o caminho da direita e, chegando lá, encontra uma mesa posta para várias pessoas. O Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março estão tomando chá, enquanto Caxinguelê (Educação) está em “um dorme e acorda” constante porque espera orientações sobre atuar ou não; por algumas vezes, toma iniciativas e retoma algumas atividades, porém, não alcança a todos pelas grandes diferenças sociais; então, torna a aguardar orientações dos órgãos competentes. A Lebre de Março está surtando, da mesma forma como entra em colapso o sistema de saúde, e, logo no início da conversa, diz que não há lugar para mais nada e ninguém. O Chapeleiro Maluco pergunta à menina “por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”, uma pergunta sem resposta, como a que os nossos líderes nos fazem: prevenir a saúde ou salvar os lucros? A diferença é que essa última questão divide a população.
Saindo desse chá-conversa, onde ninguém entrava em consenso, Alice vai a um jardim onde que havia uma roseira enorme, cheia de rosas brancas. Três jardineiros, empregados pela Rainha Vermelha (representante do vírus causador da Covid-19) estão pintando as rosas de rubro (cada rosa pintada pode representar uma vida perdida, mais uma vítima dessa doença) e Alice pergunta o motivo de estarem fazendo isso. Um responde que deveriam ter plantado rosas vermelhas (atingido todas as pessoas de uma vez) e que se atrapalharam, plantando uma roseira branca (o distanciamento e isolamento social retardaram o avanço das contaminações). Portanto, deveriam pintá-las antes que a Rainha Vermelha visse e os decapitasse. A Rainha veio e quis decapitar Alice, mas o Rei intervém a tempo e a menina é “absolvida” de sua culpa. Não muito tempo depois, quando a garota quer se inteirar dos assuntos do Reino em um julgamento (devido a sua grande curiosidade sobre tudo), sua sentença é reposta.
Alice, então, retorna de sua aventura. Está, agora, deitada sob a sobra de uma árvore com a irmã. Ela acredita que escapou de sua sentença, mas a sociedade escapará? Alice tem certeza de que não é mais a mesma menina após ter vivenciado as experiências no País das Pandemia. E nós, podemos dizer o mesmo? E se pudermos, foi uma mudança boa, ou caminhamos para uma vivência mais fechada em nós mesmos, em nossas individualidades, egoísmos e problemas? “Dizem que o tempo resolve tudo. A questão é: quanto tempo?”